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12/09/2017 17:30

Mulheres quilombolas: liderança e resistência para combater a invisibilidade

A CONAQ (Coordenação Nacional de Comunidades Quilombolas) estima que no Brasil os e as quilombolas são aproximadamente dois milhões de pessoas, ou 130 mil famílias, presentes em todos os estados brasileiros. Grande parte dessa população ainda vive em áreas rurais e distantes dos centros urbanos, já que o nascimento dos quilombos desdobra da necessidade de refúgio para os negros que conseguiam escapar da escravização, que perdurou no país por mais de 300 anos (de 1530 a 1888). Atualmente, essas comunidades são espaços de manutenção e resistência da cultura negra, da ancestralidade africana e têm sua sobrevivência vinculada à liderança de mulheres negras.

As comunidades quilombolas estão constituídas enquanto territórios tradicionais autodeterminados em função da origem étnica e racial dos seus moradores, por isso estão amparados pela Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). A norma garante a esses grupos o direito ao controle da terra e das atividades que assegurem sua sobrevivência e desenvolvimento econômico, como forma de fortalecer e manter suas identidades.

O país conta com aproximadamente 2.500 comunidades certificadas, de acordo com dados da Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura. Os dados estatísticos não contam com desagregação necessária para identificar quem é quilombola nos números totais referentes às comunidades rurais brasileiras, o que torna milhares de mulheres e homens invisíveis às políticas públicas específicas. A ausência de acesso aos direitos à saúde, educação, transporte público de qualidade, bem como a instabilidade jurídica com relação ao direito ao próprio território, revelam como o racismo institucional limita a sobrevivência digna dessa população.

As mulheres estão numa situação mais problemática. Enquanto os homens migram para as cidades mais próximas em busca de trabalho, elas permanecem. Ali garantem o sustento, a partir do manejo dos recursos naturais, atuando para a organização social e transmissão dos saberes ancestrais. As quilombolas estão expostas às variadas formas de violência, são as principais impactadas pelos conflitos territoriais, pelos empreendimentos desenvolvimentistas e pela supressão de direitos, o que compromete significativamente o desenvolvimento social e econômico dessas mulheres. Mesmo nesse cenário adverso, essas comunidades resistem, marcadas pelo protagonismo feminino e negro.

Como parte da estratégia Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, a ONU Mulheres entrevistou as quilombolas Célia Cristina da Silva Pinto, coordenadora Nacional da CONAQ (Coordenação Nacional de Comunidades Quilombolas), e Maria Rosalina dos Santos, coordenadora estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí e também integrante da Coordenação Nacional.

Elas falam sobre a realidade das quilombolas, a atuação como lideranças nas comunidades e o debate no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a constitucionalidade do decreto 4.887/2003.

As demandas das lideranças entrevistadas estão alinhadas com as recomendações contidas no Plano de Ação da Década Internacional de Afrodescendentes 2015-2024, principalmente no que se refere à proteção de seus territórios, o que se coloca como um pré-requisito para o alcance de um Planeta 50-50 em 2030.

Realidade das mulheres quilombolas

Maria Rosalina: As questões mais graves que nós, mulheres, enfrentamos são as faltas de acesso às políticas públicas: terra, educação, saneamento básico, saúde, transporte, água, cultura, segurança para as mulheres. As políticas públicas não chegam aos quilombos como são colocadas no papel e, quando chegam, nós não nos reconhecemos dentro delas. Por exemplo, na educação, as escolas não incluem nos seus currículos nossas histórias, nossas manifestações, nós não nos enxergamos. Na verdade, falta respeito com os quilombolas.

Célia Cristina: São questões gravíssimas, que influenciam numa série de coisas. Por exemplo, hoje nas comunidades a gente tem enfrentando a questão da insegurança, das drogas que vêm de certa forma impactando a vida das mulheres nos quilombos. Fora a questão do próprio machismo e do racismo, que são as principais causas. O racismo faz com que as políticas não cheguem para a gente, e o machismo, porque a gente acaba sofrendo inúmeras violências: física, moral, psíquica. E todas essas questões são muito sérias.

Liderança e participação política

Célia Cristina: Nas comunidades, a gente é quem cuida da família e da vida da comunidade como um todo. Esse poder de organização que a gente tem, essa sensibilidade, faz com que a gente acabe tomando conta de tudo. Hoje, na maioria das comunidades, as mulheres estão nas direções das associações, não como presidente, elas estão lá em qualquer função. Mas há essa questão da invisibilidade, o homem sempre na frente e a mulher como coadjuvante, quando muitas vezes é a mulher a protagonista.

Maria Rosalina: É uma herança histórica que vem desde nossos antepassados, Palmares foi organizado não por Zumbi, mas por Acotirene, líder religiosa. Com a saída dos homens para trabalhar, as mulheres têm que assumir as comunidades, suas tradições e manifestações culturais, também no roçado e na criação dos filhos e filhas. As mulheres quilombolas são as detentoras dos saberes tradicionais, das rezas, da medicina natural e comidas típicas. Foram e são importantes na organização social, produtiva e de estratégias de resistência.

Impactos ambientais

Maria Rosalina: Os grandes empreendimentos de desenvolvimento da mineração vêm destruindo as comunidades. E a principal vítima são as mulheres, pois elas ficam nas comunidades e sofrem os impactos dessa neocolonização. A mineração não garante trabalho e nem renda para nós quilombolas. Então, o desenvolvimento é para quem? Temos comunidades sem energia elétrica, mas que passa um trem com minério no meio da comunidade, fazendo que as mulheres caminhem mais de 18 quilômetros para passar para suas casas ou roças. Os animais ficaram sem água, tem crianças sendo mortas nas linhas do trem, muitos quilombolas ficaram sem suas roças e não podem mais plantar. A mineração, da maneira que foi empregada, está destruindo as comunidades, é um desenvolvimento que não é para nós. Temos uma comunidade que não tem energia, mas tem torres de captação para energia eólica. Para nós, é uma reescravização.

Célia Cristina: Estão nos expulsado do nosso território e são as mulheres que sofrem com isso. Principalmente as mulheres que estão em áreas de conflito com a mineração que estão ficando doentes por não saber se, por nossas áreas não estarem regulamentadas, ficam ou saem do território. Temos muitos problemas com essas questões porque a insegurança afeta diretamente as nossas vidas. Fora a saúde da comunidade como um todo, em questão da poluição, das doenças. A gente não tem como produzir para garantir nossa renda. No Maranhão, nós temos vários casos de impactos com relação aos empreendimentos de mineração, as comunidades estão em situação de medo e insegurança. As mulheres acabam absorvendo tudo, porque elas querem promover, garantir a segurança, o que acaba nos prejudicando.

Garantia dos territórios e Decreto 4.887/2003

Maria Rosalina: Temos comunidades com mais de 300 anos, são quatro gerações dentro daquele território, com modo de vida e costumes próprios. A terra para nós é nossa raiz. Se não tivermos a terra, nós estamos mortos. Não é a terra, mas o território e seus elementos constitutivos como parentesco e identidade. Nós afirmamos e reafirmamos isso, através modos de vida, que variam de uma comunidade para outra.

Célia Cristina: A CONAQ está discutindo, e as mulheres também, de que forma que, sendo o Decreto 4.887/2003 considerado inconstitucional, vai afetar mais ainda nossa vida. Do ano passado para cá, temos perdido nossas lideranças, homens e mulheres, por conta do conflito agrário. Mesmo que considerem o decreto inconstitucional, o Artigo 78 da Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) permanecem e nós vamos brigar. Estamos nos mobilizando por outras normativas para que de fato a gente tenha nosso território. Não vamos desistir e vamos encontrar outras estratégias. Estamos lutando e não vamos ficar paradas. O Brasil também é quilombola.
 
Fonte: ONU Mulheres
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