• Bahia estado voluntário
  • Bahia estado voluntário
  • Bahia sem fome
  • selo
  • oxe
  • giga não a violência

Notícias

15/12/2021 16:50

Escritora é premiada com Jabuti por livro sobre a violência contra mulher

A escritora Monique Malcher foi a vencedora do Prêmio Jabuti deste ano na categoria contos pelo livro "Flor de Gume", que aborda temas relacionados à mulher, entre eles o abuso sexual, a violência doméstica e a alienação parental. A premiação é concedida desde 1958 pela Câmara Brasileira do Livro e é referência em prêmios literários.

Aos 32 anos, Monique é escritora e também jornalista. Fez mestrado em Antropologia na UFPA (Universidade Federal do Pará) e é doutoranda em Ciências Humanas pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). A vencedora deste ano na categoria contos é natural da cidade de Santarém (PA), mas mora em São Paulo há três anos. É a segunda mulher paraense que concorre ao prêmio. A primeira foi Olga Savary, agraciada em 1971, e que faleceu no ano passado.

Monique diz que "Flor de Gume" nasceu do incômodo com casos de violência contra mulheres. Esse sentimento despertou seu interesse pela pesquisa de gênero, que ela levou para o trabalho de mestrado. O compilado deu origem a 37 contos, construídos a partir de histórias de mulheres de seu convívio, inclusive familiares, mescladas com a pesquisa acadêmica e os personagens criados para o livro.

"Ouvi muitas mulheres que sofreram violência doméstica, que foram afastadas de seus filhos, pelo que conhecemos como alienação parental. Tudo isso fez com que eu olhasse para uma grande cartografia e pudesse criar outras memórias em cima e costurar, ser uma artesã das palavras", define.

Mulheres que acabam e se defendem

A história se passa no Pará, com uma personagem principal que circula em todos os contos. "Os contos são construídos em tons diferentes, conforme a jovem vai crescendo e as situações de violência vão acontecendo. As situações mudam sua linguagem, narração e percepção em relação aos outros personagens', explica Monique. Para o livro, ela também resgatou cadernos das avós, personagens que também estão na narrativa. O motivo de incluí-las, segundo ela, foi para mostrar sua forte influência nas famílias paraenses.

"Eu mesma cresci com mulheres que sofriam diversas violências, mas eram mulheres consideradas brutas e mandonas, quando na verdade eram assertivas e precisavam se impor de alguma forma. Trago essa característica para minha escrita". O nome "Flor de Gume" veio somente depois da obra pronta.

"O gume é a parte da faca que corta, me parece que essa flor cortante ataca e se defende porque precisa. Essa flor que se refaz parecem as personagens do livro". Apesar de reunir contos, a autora classifica a publicação como híbrida. "É de prosa poética também. Várias pessoas que leem acham que é um romance e eu não tento consertá-las. Pensei nele para funcionar com a Sílvia crescendo através das três partes do livro e de forma que os contos funcionassem sozinhos e juntos".

Livro é usado em escolas

A vencedora da 63a edição do prêmio Jabuti 2021 de literatura, na categoria conto, acredita que a literatura tem papel importante para levantar questões como as abordadas pelo livro. Ela lembra que a publicação foi lançada justamente em uma época em que o número de mulheres vítimas de violência doméstica deu um salto, no ano passado, durante a pandemia.

"Nessa época triplicaram os casos de violência doméstica justamente porque as mulheres ficaram presas com seus algozes. Mas eu não queria falar da mulher como vítima que passou por uma violência, porque vítima é uma sentença de que ela nunca vai sair dali, escapar daquela situação."

E o retorno veio através de depoimentos de leitores que viveram situações presentes no livro e até os que se identificaram como vítimas, a partir das histórias.  “Muitas pessoas que leram eram do interior do Pará e me procuraram contando experiências. Algumas mulheres tiveram coragem de se separar, outras perceberam que estavam vivendo situações de violência e algumas contaram que presentearam amigas que estão passando por isso na tentativa de alertá-las.”

 A autora conta que até homens, que se reconheceram no livro, a procuraram com relatos. "Eles foram impactados pela leitura, disseram que não querem mais ser como o pai violento da história", comemorou.

Outro canal muito importante, na visão de Monique, é a possibilidade replicar esse conhecimento nas escolas, em rodas de conversa, como forma de conscientização. "Professores me disseram que já estão usando o livro em sala de aula e que ouviram vários desabafos de mulheres vítimas de violência".

A repercussão positiva também ocorreu durante a primeira participação da autora em um evento aberto, durante a programação da 24a Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes, ocorrida em Belém, este mês. Leitores fizeram fila para a sessão de autógrafos dela.

Para Monique, o livro cumpriu o seu papel. "Não sei como é para os outros autores, mas pra mim o objetivo da literatura é levantar questões. Talvez eu não traga todas as respostas, mas as questões podem fazer muita coisa", acredita.

Transformação pela literatura

O interesse pela escrita começou cedo, aos 10 anos. Filha de professora, Monique levou o hábito a sério desde pequena por incentivo da mãe. "A minha mãe é professora de português, então a minha redação nunca era só uma redação. Ela me fazia reescrever várias vezes e eu me lembro de falar que ela era muito chata. Mas ela dizia que eu gostava de escrever e que isso um dia ia me tirar dali e me levar para algum lugar. Nunca esqueço isso".

De família humilde, com avós ribeirinhos, Monique conta que ia com a mãe, que também é costureira, nas repartições da cidade para vender roupas e que isso a ensinou a não ter vergonha de mostrar o seu trabalho. "Eu sempre brinco que sou meio muambeira da literatura porque ia com a minha mãe para todo lugar. Ela sempre dizia que não devíamos ter vergonha de vender nada porque era isso que colocava comida na nossa mesa. Antes do livro eu vendia zine (fanzine) nos colégios, no ônibus, no barzinho e nunca tive vergonha disso", orgulha-se.

Mesmo após ganhar um dos prêmios de referência em literatura ela acredita que obteve um feito ainda maior. "Eu nunca pensei em ganhar um prêmio, eu queria ser lida. E isso eu consegui. E em vida, que é uma das coisas mais difíceis. Então já atingi meu objetivo", comemora.

"Flor de gume" foi recusado por editoras

Para publicar "Flor de Gume" a escritora chegou a fazer financiamento coletivo, após inúmeras tentativas de contato com editoras, que recusaram ou simplesmente ignoraram seus contatos.

"Mandei para pelo menos vinte editoras, algumas nem me responderam, outras mandaram respostas automáticas e algumas negaram porque achavam que tinha uma construção estranha, que não se decidia se era prosa ou poesia. O interessante é que esse é exatamente o motivo pelo qual as pessoas amam o livro". Sem sucesso, ela recorreu ao financiamento coletivo até que um dia, durante uma viagem a São Paulo, encontrou a escritora cearense Jarid Arraes, finalista do prêmio Jabuti no ano passado, que pediu uma cópia.

"Achei que ela fosse colaborar com uma cota de financiamento, mas depois de uns dias me ligou dizendo que queria me publicar!", relembra. Assim, o livro foi publicado pela Jandaíra, no ano passado. Após o prêmio, Monique diz que foi contatada por três editoras, que recusaram a publicação, lamentando o fato de não terem publicado "Flor de Gume".

Fonte: Universa UOL

 

Recomendar esta notícia via e-mail:

Campos com (*) são obrigatórios.