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14/01/2019 11:10

Nos primeiros 11 dias do ano, 33 mulheres foram vítimas de feminicídio

Um crime escandalizou a pequena cidade de São Luís do Quitunde, no Norte de Alagoas. Osmar de Barros Portela, de 54 anos, matou a facadas a sua mulher, Rosineide Bernardes de Andrade, 55. Foi preso em flagrante. E Rosineide entrou no rol das vítimas de feminicídio. Já foram 50 casos (consumados ou não) registrados em 2019, quase cinco por dia.

O levantamento foi conduzido por Jefferson Nascimento, doutor em Direito Internacional pela USP, com base no noticiário nacional. Em 2017, uma pesquisa realizada com a mesma metodologia apontou 2,59 ocorrências diárias.

Em 2018, a Central de Atendimento à Mulher — Ligue 180 registrou, em média, 586 denúncias mensais de tentativas de feminicídio. Em 2017, foram 229.

No Rio, entre janeiro e novembro do ano passado, foram registrados 62 feminicídios e 269 tentativas. Kamila Oliveira, de 30 anos, sobreviveu após levar oito facadas, a maioria na cabeça, de seu ex-marido, em setembro. Eles foram casados durante dez anos e estavam separados quando o crime ocorreu. Segundo a autônoma, ele já a havia ameaçado com uma faca e foi preso por três meses após agredi-la.

O crime foi em frente a sua casa, e a filha mais nova, de 6 anos, presenciou tudo. Os vizinhos, que ouviram os gritos da menina, ajudaram, e o agressor foi preso, depois de tentar fugir.

— Quando pedi a ele para parar de me esfaquear, falei, “para que eu tenho duas filhas para criar”. Ele dizia tanto que amava as filhas, mas não pensou nelas — desabafa Kamila. — A mulher se casa apaixonada, só que o agressor nunca vem como agressor. Vem como um homem apaixonado também e, na maioria dos casos, a vítima não sabia de seu histórico. Ele (ex-marido) começou a me agredir um ano depois de casado.

Desejo de dominação

Kamila ressalta que é um longo processo até que a mulher entenda que está passando por violência doméstica, que envolve questionamentos como “é pai dos meus filhos”, “meu marido”, “o que as pessoas vão dizer”. Agora, outras mulheres passaram a procurá-la para buscar conselhos.

Especialistas acreditam que a raiz do feminicídio é a ideia de domínio patriarcal, algo que sobreviveu ao acirramento de medidas punitivas, como a sanção da Lei Maria da Penha, em 2006.

— Há uma tentativa de combate à violência contra a mulher, mas vemos como esses casos ocorrem em cidades de todos os portes, com vítimas de vários perfis socioeconômicos e faixas etárias — destaca Nascimento.

A aposentada Maria de Lourdes Barbosa Rodrigues, de 44 anos, ainda não conseguiu aceitar a morte de sua filha, Maiana, de 20, e da neta, de apenas um mês de idade. Ambas foram assassinadas pelo ex-namorado da jovem, que foi preso e se matou dias depois, em Dourados (MS). Eles teriam brigado pouco antes do crime.

— Foi uma perda irreparável — lamenta Maria de Lourdes, que recorrerá a atendimento psicológico. — Agora mesmo vim do quarto dela, onde estão todas as suas coisas. Não consegui me desfazer de nada.

Membro da Coordenadoria de Mulher em Situação de Violência Doméstica do Rio e presidente do grupo de trabalho Feminicídio do TJ-RJ, a juíza Katerine Jatahy explica que, diferentemente dos homicídios contra homens, a imensa maioria dos crimes contra mulheres são cometidos em ambiente doméstico, ou por pessoas conhecidas, que tiveram uma relação íntima com a vítima, o que denota uma agressão motivada pelo desejo de dominação do sexo oposto.

— Sair do ciclo da violência é muito difícil, porque ela começa com sutilezas, implicâncias, até que o agressor vai e dá um tapa — explica Jatahy. — Muitas vezes, a mulher tem dependência financeira e psicológica do marido, ou já está com a autoestima muito baixa.

Segundo a advogada Leila Linhares, a partir da promulgação da lei do feminicídio, em 2015, os homicídios de mulheres passaram a ser investigados com maior rigor. Antes disso, os casos por motivação de gênero ficavam diluídos dentro em uma taxa geral de homicídios.

A obtenção de índices mais detalhados, porém, não é uma medida suficiente para combater o que define como comportamento misógino e violento arraigado há séculos:

— Percebemos que esses crimes acontecem quando essas mulheres não querem mais ficar em relações violentas — aponta Linhares, uma das autoras da Lei Maria da Penha e diretora da ONG Cepia. — Chega um momento em que ela consegue sair dessa relação, e o homem vai se vingar. São crimes de ódio. É achar que a mulher é um objeto deles (dos agressores). Então, a partir dessa ideia de posse, faz com ela o que bem entende e acha que isso está certo.

Professora da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP, Elaini Silva considera que encarar as tentativas de feminicídio como crimes passionais — ou seja, baseados na emoção — faz parte de uma “estratégia de não responsabilização dos acusados”.

— O número de casos de feminicídio no país demonstra que é claramente uma questão de violência estrutural — destaca Silva, que integra a Rede Feminista de Juristas. — Por isso, não podemos achar que propostas que foquem apenas no indivíduo, como o aumento da punição, serão capazes de reverter esse quadro. É preciso ir à raiz do problema: adotar políticas que reforcem em todos que as mulheres têm direitos.

Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem) e do Centro do Interesse Feminista e de Gênero — CIFG (UFMG), ressalta que se, de fato, for aprovada a liberação do porte de armas, os casos de violência vão “explodir”.

— O Estado tem o dever de garantir às cidadãs brasileiras, que pagam impostos e são a maioria, uma vida sem violência. É um direito humano fundamental e um direito constitucional. Mas estamos a milhões de anos luz distante de algo que chegue próximo a isso.

Em nota, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirmou que o canal Ligue 180 é uma “política pública essencial para o enfrentamento à violência contra a mulher em âmbito nacional e internacional”:

“Em 2018 foram registradas e encaminhadas 92.323 denúncias pelo Ligue 180. Após o recebimento das denúncias os encaminhamentos são feitos diretamente às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher – DEAM’s, de acordo com os respectivos tipos de violação e classificação das demandas, no intuito de promover maior agilidade quanto à apuração das denúncias, sobretudo àquelas que necessitam de retorno imediato, como nos casos de violências mais graves e urgentes”.

Fonte: O Globo
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