• Bahia estado voluntário
  • Bahia estado voluntário
  • Bahia sem fome
  • selo
  • oxe
  • giga não a violência

Notícias

27/07/2021 14:50

12 intelectuais negras que marcaram a história do Brasil e do Mundo

Você conhece mulheres intelectuais negras que marcaram a história nacional e internacional? Observe a relação de nomes a seguir e tente identificar a nacionalidade destas mulheres (se possível, cidade/estado de referência) e o que as traz para este texto. Prontas/es/os para o desafio?

 Tereza de Benguela

Luiza Mahin

Antonieta de Barros

Lélia Gonzalez

Beatriz Nascimento

Thereza Santos

Alzira Rufino

Inaicyra Falcão dos Santos

Rainha Nzinga

Mariama Bâ

Amina Traoré

Christiane Taubira

De quantas você já ouviu falar? De quantas você conhece a história? De quantas você poderia falar, como exemplo de resistência? Assim, complementando suas respostas ao desafio, este texto pretende biografar, mesmo que minimamente, essas mulheres negras.

Antes, porém, refletimos que pensar intelectuais negras remete a uma lista grande de mulheres negras que foram e que são invisibilizadas ao longo dos anos. Esse rol de mulheres não cabe em um texto, em um livro! Em uma coleção? Talvez! Tudo isso para dizer que são muitas as mulheres negras que, através de seus estudos, saberes e realizações, podem desfilar no tapete vermelho da pesquisa, da militância, das artes, da cultura, da política, da literatura; enfim, do merecido e almejado reconhecimento por suas lutas e por tudo que viveram e vivenciaram. A história da mulher negra as transforma em heroínas solo, por trabalharem, quando as mulheres brancas nem entendiam o significado desta palavra; por resistirem ao abuso sexual que lhes foi impingido; por receberem, até os dias atuais, os menores salários nas tabelas comparativas que cruzam sexo e gênero.

Sendo assim, todas as mulheres negras poderiam ser listadas neste texto. Contudo, o exercício árduo aqui proposto é apresentar algumas. Nesse sentido, diante dessa difícil tarefa de mencionar algumas mulheres negras, que é, sem dúvida, uma grande responsabilidade, iniciei elencando alguns critérios. Quais? 

Este foi indubitavelmente o grande desafio na gestação deste texto. Esta provocação se desencadeou em dois segmentos, com base legal: 1) a mulher negra, a quem é dedicado um dia no mês de julho; e 2) personalidades apresentadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Dcnerer).

A mulher homenageada pela Lei nº 12.987, de 2 de junho de 2014, representando todas as mulheres negras brasileiras, abre a relação aqui evidenciada; e é seguida pelas mulheres citadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Importante lembrar que as referências citadas e que serviram para relacionar as mulheres negras aqui  estão datadas de 2014 e 2004, respectivamente, Acredita-se, ainda, que, com este texto, estamos homenageando essas mulheres pois, provavelmente, elas já são conhecidas e devem fazer parte do repertório das leitoras e leitores, como personalidades femininas.

No primeiro segmento, iniciamos com a primeira grande mulher homenageada TEREZA DE BENGUELA. Com texto da ex-senadora Serys Slhessarenko, o dia 25 de julho passou a ser, oficialmente, o “Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra”, através da Lei nº 12.987, de 2 de junho de 2014. Em seu texto, Slhessarenko (2009) lembrava que: 

“No dia 25 de julho, é celebrado, anualmente, o Dia Internacional de Luta da Mulher Negra da América Latina e do Caribe, entretanto o Brasil não tem uma data oficial de celebração da mulher negra, sendo importante termos, em nosso calendário oficial de datas comemorativas, um dia para homenagear a existência da mulher negra. No entanto, é preciso criar um símbolo para a mulher negra, tal como existe o mito ZUMBI dos Palmares, as mulheres carecem de heroínas negras que reforcem o orgulho de sua raça e de sua história, […]. Desta forma apresento, como forma de resgatar a memória de uma heroína negra negligenciada pela história, a homenagem à Tereza de Benguela”.

Por que Tereza de Benguela? Vale a pena (re)lembrar a importância desta mulher na história brasileira, como exemplo de resistências e de construção de trajetória ímpar.

Tereza de Benguela

Tereza de Benguela, “Rainha Tereza,”¹ nasceu no século XVIII, tem origem incerta; há historiadores que acreditam se tratar de uma africana angolana, e outros dizem que ela nasceu no Brasil. É fato que ela assumiu o comando do quilombo de Quariterê, após a morte do líder e seu marido José Piolho. O quilombo, localizado na região do Vale do Guaporé, em Vila Bela da Santíssima Trindade, no que hoje é o estado do Mato Grosso, quase divisa com a Bolívia, será comandado por Tereza por duas décadas.

Do segundo segmento, que traz mulheres citadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (DCNERER), destacamos o argumento de que:  

“O ensino de História e de Cultura Afro-Brasileira se fará por diferentes meios, inclusive, a realização de projetos de diferentes naturezas, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus descendentes em episódios da história do Brasil, na construção econômica, social e cultural da nação, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social” (DCNERER, p. 22).

Assim, na continuidade das Diretrizes, neste parágrafo, são lembradas Luiza Mahin, Antonieta de Barros, Lélia Gonzales, Beatriz Nascimento, Tereza Santos, Alzira Rufino e Inaicyra Falcão dos Santos. As Diretrizes apresentam, também, nome de homens negros importantes para história brasileira, e ressaltam que a lista não se finda nas pessoas ali referendadas.

Com texto semelhante, o parágrafo seguinte, cuja única alteração se faz na citação de “episódios da história mundial” em vez de “história do Brasil”, nomeia Rainha Nzinga, Mariama Bâ, Aminata Traoré e Christiane Taubira, ao lado de referências masculinas.

Luiza Mahin

Os parágrafos seguintes servem para apresentar as mulheres mencionadas, sendo a primeira LUIZA MAHIN. A primeira apresentação de Luiza Mahin será feita por seu filho Luiz Gama: 

“Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina, (Nagô de Nação) de nome Luíza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, geniosa, insofrida e vingativa. Dava-se ao comércio – era quitandeira, muito laboriosa, e mais de uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos, que não tiveram efeito. Era dotada de atividade. Em 1837, depois da Revolução do Dr. Sabino, na Bahia, veio ela ao Rio de Janeiro, e nunca mais voltou” (FERREIRA, 2008 p. 303-304).

Luiza Mahin, segundo Lima (2011), viveu no século XIX, por volta de 1812. Algumas crenças envolvem seu nome: há os que acreditam que teria nascido em África, sob etnia nagô ou jeje e os que dizem ter sido ela brasileira, de Salvador, Bahia. Fato é que se tornou referência e símbolo de luta e resistência à escravatura, tanto que está citada nas Diretrizes de ERER, além de se encontrarem teses e dissertações que discorrem sobre sua vida, poemas e homenagens rev(f)erenciando-a.

Antonieta de Barros

Na sequência de Luiza Mahin, outra mulher negra listada nas Diretrizes Nacionais de ERER é ANTONIETA DE BARROS. Dentre os muitos trabalhos que abordam a trajetória de Antonieta de Barros, destaca-se o livro da professora Jeruse Romão “Antonieta de Barros: Professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil”, lançado em 2021, no qual  Antonieta de Barros é apresentada abraçada por sua família, realçando a importância desses laços. 

A família, independentemente de sua estrutura, existe. Considerar as diferentes conformações familiares e, principalmente, reconhecer que a existência desses laços se faz necessário.

“Para os negros e negras, família é um conceito que acompanha as normativas que estruturam seu reconhecimento, e que carrega conteúdos e pertenças dos valores civilizatórios africanos, sobretudo no Brasil, onde, com o advento da escravidão, esse conceito foi, em muitas vezes, ressignificado” (ROMÃO, 2021, p. 39).

Antonieta de Barros nasceu em 11 de julho de 1901, na cidade de Florianópolis, e faleceu no dia 28 de março de 1952, na mesma cidade. Juntamente com sua irmã, Leonor de Barros, fundou o Curso Primário Antonieta de Barros, em 1922. A partir de levantamento feito por Romão (2021), é possível divulgar que Antonieta de Barros colaborou para diversos jornais, citando-se “O Elegante”, “República”, “O Estado”, sendo possível encontrar vários textos seus na Hemeroteca digital Catarinense. Escreveu para revistas do Centro Catarinense de Letras, A Pavuna, Vida Ilhoa, Renovação, Ilha Verde. 

Destaca-se que Antonieta atuou como primeira secretária da Liga do Magistério Catarinense e integrou a direção do Centro Catarinense de Letras. Foi a primeira deputada negra do Brasil e a primeira mulher deputada catarinense. Como política, teve a educação sempre em suas pautas, registrando, em diversos jornais locais e nacionais, a defesa da educação pública em Santa Catarina. Portanto, ao falar em educação, imprensa e política catarinense se faz necessário mencionar esta importante catarinense. 

A biografia de Antonieta de Barros é extensa, sendo, também, possível encontrar dissertações e teses sobre ela, inclusive, vale aqui registrar o excelente texto para crianças, expresso no livro Antonieta, da professora e escritora Eliane Debus, com belíssimas ilustrações de Annie Ganzala.

Lélia Gonzalez

Outra grande mulher negra brasileira, citada nas Diretrizes para ERER é a mineira LÉLIA GONZALEZ. Sobre Lélia Gonzalez é possível ler, na primeira orelha do livro “Por um Feminismo Afro-latino-americano Lélia Gonzalez” (2020), organizado por Flavia Rios e Márcia Lima:

“Filósofa, antropóloga, professora, militante do movimento negro e feminista precursora, Lélia Gonzalez foi uma das mais importantes intelectuais brasileiras do século XX, com atuação decisiva na luta contra o racismo estrutural e na articulação das relações entre gênero e raça em nossa sociedade. Personagem expressiva na história política do Brasil, construiu rotas e redes alternativas para pensar a realidade nacional e da diáspora – […]”.

Lélia Gonzalez nasceu no dia primeiro de fevereiro de 1935, em Minas Gerais, Belo Horizonte, e faleceu em 10 de julho de 1994, no Rio de Janeiro. Da nota biográfica do livro de Rios e Lima (2020), destaca-se sua formação acadêmica diversa (geografia, história e filosofia; pós-graduação em antropologia). Foi professora em escolas de educação básica e em universidades. Presente nas lutas contra a ditadura militar e pela democratização do Brasil. Destaca-se como fundadora do Movimento Negro Unificado (MNU). Lélia Gonzalez escreveu inúmeros artigos para revistas e apresentou artigos em congressos nacionais e internacionais. É uma das mulheres negras referenciadas por estudiosas/os que pesquisam e defendem a equidade e lutam contra o racismo. Dessa forma, recomenda-se a leitura de seus textos, reconhecendo-a como protagonista da história negra brasileira.

Beatriz Nascimento

Na sequência de intelectuais negras citadas nas DCNERER, destaca-se BEATRIZ NASCIMENTO. Para se referir a Beatriz Nascimento, retomam-se as palavras de Romão (2021), em seu livro sobre Antonieta de Barros, já mencionado, quando lembra a importância da família para negras e negros. E, é com base na família que se apresenta esta intelectual, a partir do texto de João Carlos Reis, “Historiografia e quilombo na obra de Beatriz Nascimento”, onde se pode ler o seguinte: 

“Segundo a historiadora Raquel Barreto (2018), no dia 17 de julho de 1942, nascia na costa atlântica do Nordeste, Beatriz Nascimento, sergipana, filha de Francisco Xavier do Nascimento, que era pedreiro, e Rubina Pereira do Nascimento, dona de casa. Nos anos 50, seus pais migraram com a família para o Rio de Janeiro em busca de melhores condições. Além dela, eles precisavam sustentar mais 10 irmãos” (REIS, 2019).

Reis (2019) escreve que, ao tomar conhecimento da obra de Beatriz do Nascimento, indagou-se sobre o motivo de a obra dela ser desconhecida, principalmente pelos historiadores.

Maria Beatriz Nascimento nasceu no dia 17 de julho de 1942, em Aracaju, Sergipe. Durante sua vida sempre aliou sua militância com a vida acadêmica, dedicando-se, em suas pesquisas, durante vinte anos aos estudos dos quilombos. Em sua biografia, apresentada no site do “literafro, o portal da literatura afro-brasileira”, encontra-se: “Embora seja, seguramente, uma das maiores estudiosas do país a respeito do tema, Beatriz Nascimento é mais conhecida pelo documentário Ôrí, palavra em yorubá com o significado de “cabeça”, que, para os candomblecistas, relaciona-se à mente, à inteligência, à alma.”

Da sua biografia, no referido site, enfatiza-se sua relevância para a e na construção do feminismo negro, ao pautar a condição subalterna das mulheres negras e as dificuldades de mobilidade social destas, como resquícios do racismo estrutural.

Outra pauta importante situa-se no espaço escolar, sobre o qual ela destaca o racismo presente na educação, assim como sobre a solidão das crianças negras nesses espaços educacionais.

Maria Beatriz Nascimento escreveu livros e artigos e sobre ela, foram escritos artigos, dissertações e teses. Ela foi professora, ativista, escritora, roteirista e faleceu em 1995.

Thereza Santos

Ainda dentre as mulheres negras apontadas pela DCNERER, talvez a menos conhecida é THEREZA SANTOS. A leitura do texto de Gal Souza (2021) revela um pouco desta militante negra. “Como outras militantes de sua geração, abriu caminhos para mulheres negras contemporâneas, que, como produtoras de conhecimento, compreenderam e incorporaram a valorização dos saberes e legados africanos. Sua trajetória como intelectual negra mesclou ação e pensamento sobre liberdade dos povos negros no Brasil e na África, nos legando a ideia de que a luta é internacional” (SOUZA, 2021).

Thereza Santos, nascida como Jaci dos Santos, no Rio de Janeiro, em 1938; utilizava o nome Thereza Santos “motivada pelas suas ações políticas no Partido Comunista, nas décadas de 1960-1970, período de forte repressão política, quando atuar em partido político de esquerda era algo subversivo e perigoso.” (OLIVEIRA, 2008. p.23), adotando, também, como nome artístico. Em declaração para Oliveira (2008), disse que não separa as duas e que, no período da repressão, Jaci blindava a militante Thereza. Thereza Santos faleceu em 19 de dezembro de 2012, em Guarapuava, Paraná.

Os textos encontrados sobre Thereza Santos desvelam uma mulher negra atuante em diferentes frentes, com posicionamento político de esquerda. Como atriz, participou de filmes, um documentário, e de novelas. Dirigiu e escreveu peças. Participava de atividades relacionadas ao carnaval, tendo sido diretora da Escola Estação Primeira da Mangueira, comentarista de desfiles de carnaval, e autora de sambas-enredos. Na Estação Primeira da Mangueira, fundou com outras mulheres o departamento feminino. 

Devido a perseguições no período de ditadura viajou para a Guiné Bissau e Angola. Fato significativo é revelado por Oliveira (idem), em sua dissertação, destacando que Thereza “foi fundadora e diretora da Associação Agostinho Neto, que tinha como objetivo principal apoiar e divulgar o desenvolvimento da República de Angola” (p. 25). 

Alzira Rufino

A próxima intelectual negra biografada neste texto é ALZIRA RUFINO. As palavras de Simone Pereira Schmidt registram as primeiras informações sobre esta intelectual.

“Ao longo de sua atuação como escritora e militante, Alzira Rufino tem participado de diversos eventos internacionais, como a III Feira Internacional do Livro Feminista, realizada em 1988, no Canadá, onde integrou um painel internacional de escritoras negras e lançou seu livro de poemas, bem como a V Feira Internacional do Livro Feminista, realizada na Holanda, em 1992. Em 1996, foi uma das palestrantes da Conferência Internacional sobre ‘Violência, Abuso e Cidadania da mulher’, realizada na Grã-Bretanha. Tem artigos publicados em jornais e revistas dos Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, Índia, Chile e Senegal” (SCHMIDT, 2011, p. 365).

Alzira dos Santos Rufino nasceu em São Paulo, em 1949, e vive na cidade de Santos. Graduada em Enfermagem, é escritora e militante, ocupando-se, principalmente, com a defesa das mulheres negras. Maria do Rosário A. Pereira (2014) relata que Alzira Rufino “se autointitula ‘batalhadora incansável pelos direitos da mulher, sobretudo da mulher negra’” (p. 168). 

Poeta e contista, dona de textos literários que trazem a voz da mulher negra, Alzira faz parte da geração quilombhoje², ou seja, de uma geração comprometida em ser voz da e para a população afro-brasileira.

A escritora e ativista já recebeu diversas homenagens e diversos prêmios, principalmente na área de literatura. 

Inaicyra Falcão dos Santos 

Avançando na lista das intelectuais negras, chega-se a INAICYRA FALCÃO DOS SANTOS, nascida em 1958, é, expressada por Luciane Ramos Silva (2013) como:

“Doutora e livre docente recém aposentada pelo Departamento de Artes da Universidade Estadual de Campinas, onde lecionou por mais de duas décadas e permanece coordenando o Grupo InterdisciplinardePesquisaRituaiseLinguagens, orientando pesquisadores e fomentando a presença das matrizes africanas na academia um universo ainda pouco poroso para os saberes negros e suas formas de expressar, construir e disseminar conhecimento. Vale lembrar que, no espaço mais específico da formação em dança, raramente, os currículos universitários incorporam as técnicas de matrizes africanas e o estudo de suas linguagens e veredas para o treinamento do bailarino. Dialogando em predominância com as técnicas eurocentradas, o saber fazer das matrizes africanas parece ser ainda ‘estrangeiro’”.

Inaicyra Falcão dos Santos chega trazendo a dança, a corporeidade e a leveza. Sua trajetória intelectual demonstra que segue seus sentimentos, incorporando sua ancestralidade e deixando, ao mesmo tempo, que esta transborde na dança. 

Na pesquisa de textos escritos por ela, constatou-se que existe um vasto espaço para se debruçar sobre sua produção e sua obra artística, explorando a corporeidade e permitindo que se conheça um ingrediente que, com certeza, faz parte de mais de 50% da população brasileira.

As palavras da própria Inaicyra Falcão dos Santos auxiliam no entendimento do papel da arte na formação da cultura afro-brasileira: 

“A base da investigação de ‘Corpo e Ancestralidade’é intertextual, criativa em relação às ações cotidianas do homem; dissocia-se da tradicional abordagem focada na cópia de formas do rito vivenciado no terreiro; volta-se para o corpo do intérprete bailarino por meio de memórias ancestrais, com ações corporais carregadas de significados, trazendo-as para o presente e ressignificando-as por meio da arte do movimento criativo” (DOS SANTOS, s/d).

O Currículo Lattes de Inaicyra Falcão dos Santos revela que ela possui graduação em dança, pela Universidade Federal da Bahia; mestrado em Artes teatrais; doutorado em Educação, pela Universidade de São Paulo; Livre-docente na área de Prática Interpretativas/ Dança do Brasil. Frequentou o curso de Dança Moderna no Studio Alvin Ailey; Dança Contemporânea na Schola Cantorum, Paris/França, com bolsa do Governo francês. Desenvolveu pesquisa junto à Universidade Obafemi Awolowo/ Ifé/Nigéria, com bolsa do CNPq e no Laban Centre for Movement and Dance/Inglaterra, com bolsa do Conselho Britânico. Publicou livros. 

Com Inaicyra Falcão dos Santos, intelectual que se une a outras brasileiras, como as citadas anteriormente, encerra-se o elenco de personalidade femininas negras brasileiras, listadas nas DCNERER.

Nzinga Mbandi

As Diretrizes, porém, listam, ainda, quatro mulheres negras estrangeiras, como sugestão para serem trabalhadas nas escolas. A primeira, e não poderia ser diferente, é a Rainha NZINGA. Esta Rainha me faz sair da impessoalidade, e, me permitam confidenciar, conheci sua história durante uma licença-prêmio, em 2005, quando, movida pela curiosidade/necessidade, fiz uma disciplina sobre história africana, como aluna ouvinte na graduação de história da Universidade Federal de Santa Catarina.

Conhecer a história de uma rainha negra, de origem angolana reativou minha esperança e a percepção de minha ignorância, de meu desconhecimento em relação as minhas raízes. (Parênteses feito, volto a Nzinga).

Nzinga Mbandi deveria ser uma personagem amplamente conhecida no Brasil, por se tratar de uma Rainha que viveu em Angola, valendo lembrar, aqui, que a relação Brasil-Angola reporta aos tempos da escravidão. A história de Nzinga, por sua grandeza e importância, será trazida do resumo do Artigo de Marcele Aires Franceschini (2018). Assim Nzinga é apresentada:

“A mítica Nzinga Mbandi, a Rainha Ginga, foi líder de vastíssimo território no século XVIII. Grande parte dos escravizados que vieram ao Brasil são oriundos da região bantu – dominada por ela então. Sua história é tão gloriosa quanto a da própria África. Não por acaso inúmeros são os historiadores que se interessam por sua figura, assim como centenas são os escritores que já se aventuraram a romancear ou a cantar seus feitos. Para essa análise, escolheram–se três autores: o angolano José Eduardo Agualusa e seu romance histórico A Rainha Ginga:e de como os africanos inventaram o mundo (2014); o carioca Alberto Mussa e seu romance policial O trono da Rainha Jinga, (1999); e a portuguesa radicada em Angola Eugénia Neto e seu poema “Poema à Mãe Angolana”, lançado em 1976, no contexto da luta pela Independência de Angola. Prezaram–se, nesse estudo, dois movimentos: primeiramente, descreveu-se historicamente a figura da Rainha para então a retratar segundo recortes dos autores supracitados. Ambos Agualusa e Mussa tendem a demonstrar o poder da Rainha representado por sua força “de macho”, já que a líder assume a governança marcada pela linhagem patriarcal. Já Eugénia Neto humaniza a figura de Nzinga como a grande “Mãe Angolana”, salientando suas características femininas. Independente do julgamento, importa perceber como autores de distintas nacionalidades e gêneros constroem a imagem da soberana africana, mesclando história e ficção num balé fértil de dimensões épicas e poéticas” (p. 543).

A intenção de trazer esse resumo é aguçar a curiosidade sobre a rainha Nzinga, que pode ser apresentada para crianças, jovens e adultos como rainha REAL, que movimentou a história de Angola, de parte da África e de Portugal.

Nzinga foi uma grande chefe de Estado. Muitos historiadores versam sobre sua história; alguns trazendo versão romanceada, outros apresentam versões que denunciam sua força política e de governança. O fato é: enquanto histórias de rainhas e princesas fictícias vêm construindo o nosso imaginário, as verdadeiras rainhas continuam adormecidas na invisibilidade histórica. É momento de acordá-las. 

E, ao falar da rainha Nzinga, de Angola, reverenciamos novamente, a rainha Tereza de Benguela, brasileira.

Mariama Bâ

Acordar, sim, acordar intelectuais negras é visibilizá-las, é ser antirracista. E as DCNERER contribuem para esse movimento, ao nos apresentar uma relação inicial de intelectuais negras. Desse rol, trazemos MARIAMA BÂ, que chega, inicialmente, para lembrar que África é um continente. Um continente com mais de 50 países e, com milhares de INTELECTUAIS que aguardam (re)conhecimento.

Mariama Bâ segue Nzinga, na relação de mulheres internacionais listadas. Na pesquisa sobre Mariama Bâ se percebe que há muito a ser escrito em língua portuguesa, visto que a maioria dos textos encontrados está em inglês e francês. Da tese de doutorado “Identidade, Memória e Autoficção em Une Si Longue Lettre, de Mariama Bâ”, de Vânia Carolina Gonçalves Paluma (2020), foram colhidas as informações sobre Mariama Bâ, para este texto.

Mariama Bâ nasceu em 17 de abril de 1929, na cidade de Dacar, capital de Senegal, e faleceu em 17 de agosto de 1981, Senegal. Filha de Fatou Kiné Gaye e Amadou Bâ. Sua mãe faleceu Mariama Bâ ainda era pequena, e foi, então, criada pela vó e pelo pai, que a incentivou a estudar.

Palume traz em, sua tese, várias falas de Mariama Bâ, Assim, a partir  dessas falas, apresentamos Mariama Bâ por Mariama Bâ.

“Eu sou senegalesa. O meu pai foi o primeiro ministro da saúde de Loi Cadre. Eu sou órfã de mãe. Eu fui criada pela minha avó. Mas, graças ao meu pai e à visão justa que ele tinha do futuro, fui para a escola, apesar dos meus avós que eram tradicionalistas. A casa da minha família fica na antiga rota dos matadouros municipais de Dacar, que atualmente leva o nome de um vereador da cidade, Armand Angrand. […] Na nossa concessão familiar, há uma grande mesquita permanente, onde uma multidão se reúne a cada hora de oração. Normalmente, eu deveria ter crescido nesse ambiente familiar, sem conhecer a escola, com uma educação tradicional que inclui a iniciação aos ritos. Eu deveria saber cozinhar, lavar a louça, pilar o milho, transformar a farinha em cuscuz. Deveria saber lavar as roupas, passar os grandes boubous e ir, quando chegasse a hora, com ou sem o meu consentimento, para outra família na casa de um marido” (2020, p. 23).

[…]

“Tive a sorte de frequentar a escola francesa (que agora é Berthe Maubert, na avenida Albert Sarraut), graças à perseverança do meu pai que, sempre que havia um feriado, vinha pedir aos meus avós que continuassem a conceder esse favor a ele. Mawdo Sylla foi meu professor. O fato de eu ir à escola não me livrou das tarefas domésticas que as meninas tinham que fazer” (Idem, p. 24).

Estudar, para ela, já foi rompimento. Terminar dois casamentos, por divergências de pensamento é, sem dúvida, transgredir. Somente com o terceiro marido “com o qual compartilha muitas das suas ideias libertárias, posicionando-se como feminista” (Ibidem, p. 27).

Mariama Bâ, escritora, transformou sua vivência em denúncia através da literatura, tornando-se conhecida por seu pioneirismo na luta pelos direitos da mulher e por denunciar a condição da mulher africana, focando-se na ausência de direitos para mulheres e na poligamia.

Como professora, escritora, escreveu artigos e livros. Seus livros vão além da ficção, assumindo papel de denúncia, o que fez com que sua obra fosse inscrita no rol de escrita feminista. Segundo Loyola (2019), sua obra pode ser considerada como a primeira escrita feminista africana.

Aminata Traoré

AMINATA TRAORÉ é penúltima mulher deste rol de biografias. 

Intelectual do Mali, política e escritora, Animata Traoré nasceu em 1948, em Bamako. Estudou em França, na Universidade de Caen; é doutora em Psicologia Social, graduada em Psicopatologia. Investigadora em Ciências Sociais; trabalhou na Universidade de Abidjan (Costa do Marfim) e, atualmente, trabalha com várias organizações nacionais e internacionais. (Casa África)

São palavras de Animata ao jornal El País, de julho de 2020:

“A batalha pelo humanismo do século XXI será brutal, porque os ganhadores do mundo anterior não querem renunciar aos seus privilégios. A África, rica em recursos naturais e com uma população jovem, é cobiçada e, no entanto, denegrida e humilhada pelo discurso dominante. Para que a terrível experiência da covid-19 não contribua para agravar o medo e o ódio dos esquecidos pelo crescimento fora do continente, seus povos devem falar entre si e com seus irmãos da Europa e de outros lugares na luta contra o inimigo número um: o capitalismo predatório e destruidor do vínculo social e do meio ambiente”.

Seus textos demonstram consciência política apurada, portanto, para algumas ações em que se faz necessário pensar o continente africano, vozes como as de Animata são fundamentais, uma vez que sua crítica extrapola o espaço de seu país, conseguindo uma percepção do continente como um todo. Um todo que necessita do olhar respeitoso para as comunidades do Sul.

Para o propósito deste texto fica o reconhecimento de Animata Traoré e a certeza de que seus pronunciamentos requerem reflexão assertiva.

Christiane Taubira

Encerrando nossa lista de mulheres citadas nas DCNERER, apresentamos CHRISTIANE TAUBIRA. Em sua dissertação “Construção da Identidade e da Alteridade em Processo Pós-Colonial: A Escravidão Contada à Minha Filha (2002), de Christiane Taubira”, Maria Vagneide de Oliveira Ferreira (2019, p. 21) escreve:

“A menina de família modesta seguiu o caminho da escola. Foi aluna no Liceu Félix Eboué, em Caiena, e continuou seus estudos na França, onde se tornou economista. Obteve igualmente diplomas em Sociologia e Etnologia Afro-americana, na Sorbonne e Jussieu, e, em Agroalimentação. De volta à Guiana, Taubira foi professora de Ciências Econômicas, diretora do CNAM (Conservatório Nacional de Artes e Profissões), diretora geral do Caricoop (Cooperação Agrícola Antilhas-Guiana), do ATPAG (Serviços Técnicos da Pesca Marítima) e do OCCE (Cooperação e Comércio Exterior com o Caribe, as 3 Américas e Sudeste Asiático)”.

Christiane Taubira nasceu em 2 de fevereiro de 1952, em Caiena, capital da Guiana Francesa. Escritora e política, segundo Ferreira (2019), sua carreira política teve início quando se engajou na luta pela independência da Guiana. 

Ter entre essas intelectuais negras Christiane Taubira revela a Guiana Francesa, um país vizinho nosso, do qual pouco se fala. Taubira rompe a colônia e invade a metrópole – da Guiana Francesa para França. Colocando-se como política conhecida mundialmente, imprimiu seu tom, ocupou o ministério de justiça na França; defendeu “duas leis emblemáticas, o casamento homossexual e a legislação sobre a memória da escravatura, pecado capital para racistas e neocolonialistas” (idem, p. 24). 

Muitos de seus textos e entrevistas estão em francês, mas é possível acompanhá-la na imprensa digital, uma vez que continua atuando e defendendo seus ideais no continente europeu. Brilhantemente, Christiane Taubira fecha nosso inventário de intelectuais negras. 

Últimas palavras, ou continuidade…

Concluindo este texto, entendemos importante lembrar que se trata de uma pequena recolha, que utilizou como parâmetro as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. A utilização de critérios facilitou e direcionou o texto. Da mesma forma, cabe mencionar que as minibiografias foram produzidas a partir da leitura de artigos, monografias, dissertações e teses, bem como de sites que atuam na luta antirracista.

Se, ao iniciar, foi realizado o desafio de reconhecimento das mulheres intelectuais negras da DCNERER, ao encerrar, provocamos cada leitora/leitor a aventurar-se na feitura de sua lista de intelectuais negras e, para facilitar, seguem algumas possibilidade, que tal pensar em intelectuais negras presentes: no livro “Africanidades Catarinenses”; “intelectuais negras escritoras”; “intelectuais negras do século XIX (XX; XXI)”, enfim… Há muitas intelectuais negras que necessitamos conhecer, revisitar, imortalizar (e essa lista pode começar por você.  Por que não?).

Fonte: Portal Catarinas

 

Recomendar esta notícia via e-mail:

Campos com (*) são obrigatórios.